quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Quem me dera...

Existem dois poemas de Fernando Pessoa (Alberto Caieiro) que descrevem de maneira esplêndida o meu estado de espírito depois de ter assistido ao filme Revolutionary Road. Explico depois.

[223]

“Quem me dera que eu fosse o pó da estrada

E que os pés dos pobres me estivessem pisando...

Quem me dera que eu fosse os rios que correm

E as lavadeiras estivessem à minha beira...

[...]

Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro

E que ele me batesse e me estimasse...

 

Antes isso que ser o que atravessa a vida

Olhando para trás de si e tendo pena...”

 

 

[221]

“Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois

Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada,

E que para de onde veio volta depois

Quase à noitinha pela mesma estrada.

 

Eu não tinha que ter esperanças – tinha só que ter rodas...

A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco...

Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas

E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.”

 

 

Há anos (tenho 59... então, pelo menos, há 52) venho trazendo um sentimento de raiva que, por (civilidade? educação? incapacidade?) algum motivo não consegui tirar de dentro de mim. Já fui o burro do moleiro que me batia (mas que não me estimava, porque, então(?), eu não servia para nada) e hoje sou o carro de bois. Nem os bois, mas o carro. (Às pessoas urbanas: um carro de bois era feito de madeira maciça, com rodas de madeira maciça, circundadas por um elo de ferro, para que não se quebrassem com o passar do tempo. As duas rodas eram fixadas ao carro por um eixo que fazia com que o atrito do carro com as rodas produzisse um “chiado”, quase um lamento.) Eu, quando criança, que saía a passear pelos matos e andava nos carros de bois, já pensava que aquilo era muito triste, aquele chiado e aqueles bois, lentos, submissos, assim como o rapaz que os guiava, que não dizia palavra. Às vezes passava por algum lugar onde jazia, exatamente como nesta imagem de Caieiro, um carro de bois, partido, apodrecido, sem as rodas, tomado pelo mato, deixado lá para que virasse nada.

“Não tinha que ter esperanças”, e fui embora. Então passei a ser o pó onde todos pisavam, o rio, onde as lavadeiras ficavam, de novo o burro do moleiro, que apanhava. Depois, ainda sem as tais esperanças, pensava por que não tinha acabado com aquilo tudo antes, pelo menos não iria ter rugas nem cabelos brancos. E passei a ser o que olha para trás de si e sente pena. Ainda não tendo conseguido acabar com aquilo, agora tenho raiva. E não é pouca. E choro muito, não mais de pena, mas de raiva. Sou muito covarde para um suicídio! Nem tenho coragem de confessar que sou covarde! Mas tenho medo. Os acordares são torturas! Mais um dia de raiva, menos um dia de vida. Não queria voltar à noitinha pela mesma estrada; e aquele chiado... Queria mudar, ter outras estradas para voltar à noitinha. Mas como, se não tenho esperanças!? Nem consegui ter rodas! Nem um moleiro que me bata, mas que me estime. E sou covarde. E não sei escolher caminhos. Restam apenas as penas...
(continua)

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